[RESENHA] Filhos do Jacarandá - Sahar Delijani


Em 1983, uma menina chamada Neda nasce dentro de uma prisão em Teerã, capital do Irã. Sua mãe é uma prisioneira política que só consegue cuidar da filha recém-nascida por alguns meses antes que ela seja levada, à força, para longe de seu convívio. Neda é uma personagem fictícia de Filhos do jacarandá, primeiro romance escrito por Sahar Delijani, mas sua história se mescla com a da própria autora, que passou seus primeiros 45 dias de vida na penitenciária de Evin, na capital iraniana.
"Filhos do jacarandá" não chega a ser uma biografia, mas é inspirado em experiências reais dos pais e familiares de Delijani depois que o país passou de monarquia a república, com a revolução de 1979 – que derrubou o xá Reza Pahlevi e instituiu o comando do aiatolá Khomeini. Seu tio foi executado e seus pais, contrários a ambos os regimes, foram encarcerados. Para a autora, o romance “é uma tentativa de manter viva a memória de meu tio e de todos aqueles que foram mortos naquele verão sangrento, para além de colocar um pouco de luz nesse momento negro da história iraniana. É também uma narrativa de violência, prisão e morte, que permaneceu inédita por muito tempo”.
Publicada em mais de 20 países, a história recebeu elogios de Khaled Hosseini, autor que emocionou o mundo com O caçador de pipas e, mais recentemente, com O silêncio das montanhas: “ambientado no Irã pós-revolução, o emocionante romance de Sahar Delijani é uma poderosa denúncia da tirania, um tributo comovente àqueles que carregam as cicatrizes de tempos sombrios e uma celebração da eterna procura do homem pela liberdade”.
Filhos do jacarandá conta a história de três gerações de homens e mulheres inspirados pelo amor e pelo idealismo, que perseguem sonhos de justiça e liberdade. É um tributo às crianças da revolução, segundo a autora. “Muitas pessoas acabaram sendo aprisionadas pelo novo regime, e os filhos do título são os filhos delas – crianças que nasceram no período pós-revolução e foram educadas por seus avós, tios e tias, já que seus pais estavam na cadeia”. É um livro que trata de repressão política, mas que também revela como fortes laços familiares não são desfeitos nem nas piores circunstâncias.

Confesso que ainda estou procurando as palavras para escrever esta resenha. Elas ficaram perdidas em um tempo em que o sofrimento dominava tudo a seu redor. Com uma narrativa envolvente, Sahar Delijani nos mostra uma história cercada de experiências reais, dos pais e familiares da autora. O que, na minha opinião, já é um desafio e tanto. É preciso muito talento e pesquisa para construir um livro como esse, onde as palavras flutuam para um universo paralelo, onde o leitor, passa a viver e fazer parte da história.

Em Filhos do Jacarandá, somos apresentados a um livro inspirado em histórias reais que mostram um conteúdo histórico rico em sensações que causam arrepios durante a leitura. Não só arrepios, mas emociona ler um livro deste porte, onde a cada parágrafo, somos apresentados a um canto de liberdade. Somos apresentados à Revolução Iraniana, e como famílias foram afetadas.

Como o próprio Khaled disse, o livro é uma denúncia à tirania. Afinal, na primeira geração, onde a história acontece, a tirania e a revolução são o ápice da guerra política. Sem contar na experiência compartilhada com muitos que não conheciam a história. Eu mesmo falo por mim, jamais imaginaria que alguém pudesse suportar o que Neda suportou.

A capa do livro é maravilhosa. Mostra a árvore de Jacarandá, mostrada nas três gerações abordadas no livro. Tem um verniz muito lindo nas folhas de Jacarandá, destacadas com um vermelho vivo. Vamos combinar, essa capa é linda!

Agora vou falar um pouco sobre o enredo, não posso revelar muito, afinal a história é envolvente demais. Comecei a ler e quando vi, já tinha terminado a leitura e estava de queixo caído. Acreditem, você sai outra pessoa depois da leitura.

O livro conta a história de três gerações de famílias que tinham algo em comum. Algo que para muitos pode parecer pouco, mas para uma família ser interligada desta forma, vemos que é algo essencial para a sobrevivência: a motivação pela vida. Mas não só pela vida, mas pela justiça.

“Ninguém perguntava de onde vinham os gritos. Ninguém ousava perguntar. Eram uivos de dor, disso sabiam. Porque ninguém queria confundir berros de dor com os de qualquer outro tipo; eram gritos de um corpo sem identidade, abandonado, reduzido a um borrão amorfo, cujo único sinal de vida era a força capaz de abalar o silêncio dos muros da prisão.”

Quem nunca desejou ser livre? Livre para escolher seu próprio destino? Livre para trilhar seu caminho? Esse é um desejo em comum de toda a humanidade. Mas em 1983 não era bem assim. Neda, uma criança que não tinha nada haver com os crimes cometidos por pessoas alheias ao seu conhecimento, nasce dentro de uma prisão. Isso mesmo, dentro de uma prisão. Sua mãe, Azari, cheia de esperança, quer que a filha tenha uma vida normal e, acima de tudo, que sejam felizes.

“O céu estava carregado de névoa e fumaça; era fim de verão, e havia o eco irritadiço das buzinas dos carros. Viu um bando de pássaros pairar no céu, fazer uma grande curva e se empoleirar nos galhos das árvores.”

Ter uma filha dentro de uma prisão, já seria um fato maravilhoso, considerando a infelicidade de se viver num ambiente assim. Neda é o sopro de esperança na vida de Azari, que até aquele ponto estava sem cor, sem vida. A árvore interior de Azari estava sem folhas, morta. Sem vida.

“Ela mal o ouvia. Em vez disso, entregava-se inteira ao calor que gotejava de seu corpo que ansiava pelo bebê, doce e pegajoso como o néctar de uma árvore. Todos nós possuímos uma árvore interior. Lembrou-se das palavras de Ismael. Encontrá-la é só uma questão de tempo.”

Neda é tirada de Azari como quem tira um brinquedo de uma criança. Tamanha crueldade é posta em cima de uma criança que não deveria sofrer as consequências de atos de terceiros. Mas acontece, e Neda vai morar com os avós. Longe de sua mãe, longe do leite materno que deixava a criança tão feliz.

Na segunda geração da família, as coisas são um pouco diferentes, em 1987. Leila encontra seu sobrinho Omid sozinho em casa. Os guardas levaram os pais, que eram ativistas. O impressionante é que eu não sabia que nessa época, política e religião eram coisas tão sérias a ponto de punições físicas, por exemplo.

“Os uivos das sirenes explodiam contra as janelas fechadas, e o eco fazia com que balançassem, sacudissem, para então chegar a imobilizá-las. A luz dourada do crepúsculo se infiltrava pela vidraça e banhava os corpos.”

Seus pais prometeram voltar. Mas as coisas não são bem assim, Leila tem que ser muito forte e conseguir, digamos que, segurar as pontas enquanto sua família não dá as cartas e volta.

Na terceira geração, foi o momento em que eu mais fiquei admirado com o amor de um pai. Pois na primeira geração, é mostrada a história de uma mulher forte, determinada. E agora, vemos, que um pai também é capaz de amar e fazer tudo por seus filhos, mesmo que eles não tenham saído de dentro de si.

“Que bem longe do Irã poderiam viver em paz, a felicidade de Sheida estaria garantida e de alguma maneira tudo seria mais fácil.”

Amir é um homem que está preso. Podem notar que todos os ambientes mostrados no livro, até as situações, rondam a prisão como foco principal. De 1983 a 1988, Amir conhece sua filha Sheida, fruto de um relacionamento com Maryam. O amor por sua filha, mesmo sem vê-la constantemente, faz com que Amir passe a confeccionar uma pulseira com caroços de tâmara, era uma forma de criar uma herança para a filha, mesmo que apenas uma herança sentimental.

O mais interessante no livro, é que as três gerações são interligadas por laços de sangue inseparáveis, que são tão fortes a suportar coisas inimagináveis. Que o ser humano até duvida que exista. O livro trata da repressão política no Irã, onde muitos jovens foram criados por avós, tios, parentes secundários porque os pais estava na cadeia, presos. Eu nem consigo imaginar algo assim no Brasil, onde parecemos tão liberais.
Também é mostrado como essas crianças cresceram e seguiram suas vidas. Em um determinado momento em que vocês, leitores irão observar no livro, é quando essas crianças voltam ao Irã, crescidas, com uma formação diferente, com uma família.

Sem contar os momentos em que você, leitor, irá achar sua vida fácil demais, comparada a vida de toda essa família. Uma das grandes lições é o legado que passado na família. Muita gente hoje em dia, tem uma vida fácil demais, e nem ligam para coisas que podem parecer pequenas, mas que são de eterna felicidade para alguns.

O livro mostra a vida como ela realmente é: uma luta pela sobrevivência.

“Poesia é só poesia quando revela as profundezas de sua alma. É tudo. Não a alma do leitor, mas a sua alma, a alma do poeta. O leitor é secundário.”


Título:  Filhos do Jacarandá
Autora: Sahar Delijani
Editora: Globo Livros
Páginas: 232



4 comentários

  1. Pela sinopse não me interessei muito, mas depois de ler sua resena fiquei curiosa. isso de ter três gerações que são interligadas parece ser bem interessante...
    E a capa é linda mesmo!
    Beijos :)

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  2. Oi Vitor!!
    Quando li o titulo e vi a capa imaginei que não ia gostar nadinha, mas sua ótima resenha me convenceu muito, senti a emoção hahaha
    Beijos *---*

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  3. Acredito que esse livro realmente seja bom, porém, nao se encaixa na minhas leituras.
    Amei sua resenha e sua profundidade.
    Bjs

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  4. Excelente resenha! Não vejo a hora de ler... Abraços, Isabela.

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